Há coisas na lembrança da gente que, não sei bem porque, retornam sem que espere.
Imagens que ficaram tão longe mas que estão vivas na memória e ainda me fazem pensar "Se eu tivesse feito..."
Brasília, 1970.
O Botafogo de Futebol e Regatas representado por sua categoria infantil (dente-de leite, na época) faz um amistoso comemorativo de natal no estádio Mané Garrincha contra a seleção de Brasília.
Segundo tempo de jogo. Na cobrança de escanteio a bola sobra fora da grande área, rolando em minha direção...
No treinamento de apronto, ainda em General Severiano, durante um treino tático, um grito que ainda ressoa em meus ouvidos : "Bate!!!"
Era "seu Néca" que gritava comigo para bater no gol uma bola que me foi rolada fora da grande área.
Eu atuava como lateral e dificilmente, com 12 anos, teria chance de fazer gols assim.
A ordem foi ouvida e executada e a bola entrou lá no ângulo da baliza.
Eu estava na intermediária do adversário, na direção do bico da grande área e, quando vi a jogada se delineando em minha direção, me preparei como se já tivesse vivido aquilo que iria acontecer.
A bola rolando em minha direção e em meus ouvidos aquele grito que ouvira dois dias antes, longe de onde agora estava, com adversários e torcida na arquibancada, ressoou forte sem mesmo ouvir quem gritou desta feita... Ela saiu forte, rasteira desta vez e bem no canto. Explodiu no peito do goleiro e saiu em novo escanteio...
Maracanã, 1971.
A selefogo (assim batizaram o Botafogo daquele ano pós tri mundial) não tinha no ataque Roberto Miranda...
"A passagem de Roberto pelo Flamengo foi devido a uma situação de não renovação de contrato. Tal fato fez com que o ídolo botafoguense, fosse atuar num pequeno período no arqui-rival. Bom para os rubronegros, mais péssimo para o Botafogo. Roberto jogou, um antepenúltimo jogo no returno do Campeonato Carioca de 1971, no qual o Flamengo bateu o Botafogo por 2-0, com gols de Buião, tirando a chance do clube de General Severiano se sagrar campeão antecipadamente e, ainda, obrigou o alvinegro fazer uma final com o Fluminense, no qual perdeu o título.de 1971. Além do mais, fez falta no Botafogo nesta campanha."
Eu estava nas cadeiras junto meus colegas (todos botafoguenses como por exemplo Ronaldo Torres) assistindo de graça a Botafogo x Flamengo e vi uma cena que nunca mais esqueci.Roberto fora trocado por Paulo Henrique, bom lateral do Flamengo que se juntou aos outros da seleção que atuavam no Botafogo.
A coragem do Roberto em deixar o clube e ir para o rival, jogar numa equipe fraca já fazia daquele jogo algo mais.
As coisas simples ficam na memória e eu vi, pela primeira vez na vida, um centro-avante jogar de zagueiro, ajudando a sua defesa que era massacrada pelo adversário. Estávamos no segundo tempo da partida e o 0 X 0 incomodava o Botafogo, melhor em tudo e acostumado a fazer goleadas e depois dar olé.
A raça do Roberto naquele instante me fez estar em seu lugar. Eu passei a torcer por ele (não pelo Fla).
Quase fim de jogo.
O time do Flamengo se enche de brio e vai pra cima do Botafogo.
Murilo recebe uma bola na intermediária e olha o Roberto entrando e gritando na entrada da área.
O cruzamento foi perfeito. Um arco interceptado na altura da cabeça dos zagueiros por um voleio magnifíco sobre a meia-lua.
A bola saiu reta, um foguete, bateu de cheio no travessão e foi parar na geral...
No campo, Roberto dava socos na grama, exausto e com muita raiva.
O artilheiro botafoguense mostrou a sua raça e passei a ter por ele um carinho e respeito maior que tinha antes.
O jogo foi ruim.
O empate frustrou os Botafoguenses.
Eu sai maravilhado com a vontade e a raça de um cara.
Mas ainda me sinto frustrado por ele não ter feito o gol.
Aquele, talvez fosse o gol, de muitos que fez, que ele queria ter feito.
Roberto Miranda em 2010.