Estive fazendo a memória me surpreender esses dias, depois da morte do Maradona.
Antes de mais nada, respeito o jogador genial que foi, mas não o via e nunca verei como um ídolo, contrariando se não uma nação inteira e talvez quase todo o mundo do futebol.
A comoção não me atingiu até por isso, creio. A retidão de Pelé, seu exemplo de atleta e homem, sua generosa humildade e outras coisas fazem, aí sim, um ídolo inigualável que os mais "maradonistas" queriam sem nenhuma demagogia, comparar. Longe, anos luz do Rei... Quem sabe porque Pelé foi de outras datas? Mas Pelé é único e eterno.
Antes de Maradona, na própria Argentina se viam os grandes Ardiles, Perfumo, Kempes, Batistuta, Babington e tantos outros. Sem contar Rivelino, Zico, Cruyff, Júnior...
Vá em paz, Dom Diego!!! Seu legado nos campos é muito belo e respeito a sua memória.
Eu sou dos tempos áureos de nosso Maracanã das gerais cheias, com um público empolgado mas que sabia estar ali para apreciar a beleza da classe de nossos jogadores, respeitava-se isso.
E digo respeitava-se porque, em meio a rivalidades, depois de uma bola lançada de um lado ao outro do campo, enquanto ela viajava fazia-se silêncio e, quando ela "morria" no peito de um jogador e "deitava" de volta a grama, sem se importar com a camisa, o estádio aplaudia... Era lindo! Inesquecível!!!
Eu vi muitas vezes e também ouvi de dentro do vestiário (joguei nas categorias infantis do Botafogo) o barulho da torcida do Flamengo que fazia as pernas de um menino de 12 anos tremerem antes de arrepiar todo o corpo. Era aquele "Mengô... Fiu,fiu,fiu!!!!"
Sensacional!!!
Então, nessa mistura de tempos, paixões, clubes (sou Fluminense de coração, joguei no Botafogo, minha família é Vascaína) eu cresci apreciando e vivendo essas coisas simples mas eternas na memória de quem, como eu viveu, viu e sentiu.
Eu já estive dentro da torcida do Flamengo, com dois primos flamenguistas, assistindo a Zico acabar com meu time num 4 x 0 de faltas na gaveta... Eu vivenciei a beleza dos torcedores, mulheres, homens, crianças, velhos se abraçando como se grandes e velhos conhecidos. Está certo que foi na era Zico, daquele timaço campeão mundial mas foi lindo, admito.
Dentro de campo, nos treinos, o respeitado treinador "Néca" exigia o aplauso de todos ao final de jogadas, fossem incentivando a tentar outra vez, fosse comemorando. Outros tempos!!!
A gente ouvia no rádio uns caras como João Saldanha, Ruy Porto, Doalcei Benedito Bueno de Camargo, Luiz Mendes... José Carlos Araújo era mesmo garotinho, Washington Rodrigues e Denis Menezes, Kleber Leite e tantos outros. Era sagrado o radinho no ouvido e o jogo no campo, depois de ler o Jornal dos Sports, com a capa rosada para distinguir de outros, que era usado para sentar nas arquibancadas antes dos grandes clássicos.
Tivemos gênios que não foram idolatrados, muitos. Edu Coimbra foi um deles, irmão do Zico, no América, que aliás teve belíssimos jogadores como Alex, zagueiro central, Badéco e mais tarde um lateral direito que eu (minha posição) ficava de boca aberta vendo jogar, Paulo César Martins. Acho que assistir de pertinho, na geral, me fez prestar atenção em detalhes e marcar.
Craques como Dirceu Lopes, Ademir da Guia, que como Eduzinho, jogaram na mesma época do Pelé, com a camisa 10, que era sua mundo afora... Eu vi um cara chutar como ninguém: Nelinho. Eu assisti ao Cruzeiro de Natal, Tostão, Dirceu Lopes bater o Santos de Pelé e encantar o Brasil. Vi Luiz Pereira jogar na zaga do Palmeiras e sair driblando até o gol adversário, vi um chileno chamado Figueroa, um uruguaio Anchetta, Oscar, Falcão, Reinaldo... A genialidade de João Saldanha em convocar todos os melhores camisas 10 e fazer um time onde Jairzinho foi ponta direita, Rivelino ponta esquerda, Tostão centro-avante e conquistar o mundo. Senti a dor de 82... Uma das maiores injustiças do futebol que Muricy hoje explica como a "bola pune!".
Eu vi a luta de um jogador 90 minutos para vencer e provar quem era ele... Roberto Miranda, brigado com a diretoria do Botafogo anos 70, chamado "Selefogo", foi trocado por Paulo Henrique, lateral do Flamengo que não tinha um time bom. Roberto Miranda, perdia por 1 x 0 e estava na sua área para disputar com o ataque do Botafogo, saia para chegar a área do adversário e chamava a responsabilidade do jogo, dos companheiros. Um leão!!!!
Na última bola do jogo, Murilo chegou a lateral da área e fez o cruzamento na altura da marca do penalty, forte e alta, que Roberto que vinha na corrida entrando na área subiu num voleio espetacular e encheu o pé... A bola bateu no travessão e foi embora para a geral.
A imagem da jogada e do Roberto Miranda socando o gramado me impressionou pois eu torci por ele aquele jogo todo, por sua história, sua luta interior, brio, entrega... Ele merecia aquele gol e seria antológico, com certeza.
A Selefogo de Ubirajara: Carlos Alberto Torres, Brito, Leônidas e Paulo Henrique; Carlos Roberto e Nei; Zequinha, Careca , Jairzinho e Paulo César...
Este time que parecia imbatível e aplicava goleadas nos adversários, contava com os tricampeões de 1970 Carlos Alberto e Brito, foi superado pelo meu Fluminense na final e eu estava no Maracanã, nas cadeiras, em meio a torcida do Botafogo atleta do clube que era ...
Na preliminar, com gol de Silvinho (meu vizinho e irmão mais velho de meus amigos de infância com quem aprendi meus primeiros chutes e a torcer pelo fluminense) o Botafogo juvenil de "seu" Néca, invicto a mais de 200 jogos foi derrotado e perdeu o título.
Os meus queridos companheiros de clube China: Calibé, Maurício, Pedro Paulo e Ney Dias; Nandes e Marco Aurélio; Tuka, Péricles, Luizinho e Galdino, não mereciam, mas Silvinho era como um ídolo e fez um gol de raça, subindo entre os três grandalhões da zaga.
A minha vibração foi abafada pelos tapas de meu amigo Ronaldo Torres...
Foi barba, cabelo e bigode!!!