Eu era jovem.Cursava o secundário e tinha o chamado "profissionalizante" onde escolhi ser Técnico em Raios X.
Anos 70 de muitas coisas boas, saudosas.
Eu confesso que nem sabia o que chamavam de vestibular e também não me importava. Ainda não sei dizer porque... Coisa de não querer passar o tempo, eu acho. Estava tão bom! Pra que me preocupar?
Nós cumpriamos estágio em um hospital Municipal no Rio de Janeiro, o Paulino Werneck na Ilha do Governador.
O plantão era segunda-feira e durava 24 horas. A equipe médica era respeitável e talvez a melhor de todas.
Uma tarde, chegou a sala de atendimento um casal jovem. O rapaz na cadeira de rodas e sua namorada nervosa. Haviam sofrido um acidente onde o Chevette que estavam bateu em um poste de energia. Apesar de tudo, não havia um só arranhão nos dois.
Conversamos um pouco sobre a equipe médica enquanto preparava as coisas para o exame quando o rapaz foi perdendo os sentidos, respirando mal. Chamei por socorro e rapidamente médicos e enfermagem atenderam. O rapaz foi levado para outro setor e, por poucos minutos já nada foi possível fazer.
A perda abalou o plantão.
Foi uma segunda-feira mórbida, silenciosa.
Como se todos nós em respeito ao luto nos recolhessemos, nos escondessemos de tudo. Até as conversas eram como sussurros, como num velório.
A única imagem que não esqueço foi a do ortopedista, muito zangado prometendo chegar à uma explicação para aquilo que aconteceu, sem dar tempo de ajudar ao rapaz, sem chance de salvar.
Segunda-feira seguinte.
Equipe reunida em pequenos grupos destacavam a causa mortis e explicava, com a certeza de que não houve erros ou culpa.
Essas são as duas causadoras da morte rápida e sem chance para aquele rapaz.
No impacto, ele estava com a atenção para o fundo do carro, tentando pegar a aliança que caira. O movimento brusco do pescoço fissurou uma das duas lâminas que são parte da coluna cervical e que, envolvem a medula espinhal.
Do socorro até aquele momento em que chegou a sala de raios x, a fissura partiu a lâmina que cortou a medula... Daí foi rápido o processo de morte.
Não haviam cintos de segurança.
A velocidade não era a causa.
Uma brincadeira com a noiva e o acidente.
Tão tênue é a vida... Tão frágeis nós somos.
Vivemos perigosamente desde que nascemos.
Corremos riscos, abusamos de nossos corpos e as vezes nos sentimos muito fortes, imbatíveis.
Tal como a atlas e a axis, somos batidos por algo ínfimo, letal nos dias de hoje... E ficamos perplexos, tomados por horror de perdas grandes.
Tal como a atlas ou a axis, ficamos impotentes diante da morte rápida e sem chances... A frágil vida e nós.