De volta a Trindade em São Gonçalo, a família tomou um certeiro golpe que foi a separação de meus pais. Não era esperado por ninguém e mesmo eu tinha só seis anos recém completados com direito a uma festa enorme da qual nunca esqueci e me traumatizou as consequências. Eu não entendia muito porque só via meu pai de 15 em 15 dias quando vinha para pagar despesas e discutir com minha mãe que vi sofrer de raiva, rancor e lamento.
Não podia indagar nada pois não me respondiam e mandavam-me brincar. E os anos se passaram, e meu pai cada dia mais longe da gente mas sem nunca deixar faltar nada.
Também não cobrava e era simples os parabéns por passar de ano querendo saber quanto seria a matrícula do próximo ano para fazer suas contas... Nunca perdi um ano sequer até a primeira faculdade e disso muito me orgulho. Sempre fui melhor aluno no primário do Externato Duque Estrada e nos primeiros e segundo graus do Colégio Dom Hélder Câmara.
Aqui o menino jogava pelada com os colegas no fim de tarde, num terreno vazio transformado em campo com bola Pelé. Era sair do colégio às 17h, correr em casa e voltar para aproveitar os dias de verão mais longos. O futebol era coisa de família, estava no sangue. Meu pai quando ainda em Silva Jardim, jogou com meu irmão mais velho no segundo quadro do União Futebol Clube, onde era fundador e desenhou mesmo o escudo do clube. Era sua paixão. E toda família do interior, numa cidade pequena onde as referências eram a estação de trem, o campo de futebol e o clube para bailes, a pracinha e a igreja.
O mesmo menino acompanhava os irmãos mais velhos para o campo do Eletroquímica, onde se praticava o futebol amador de várzea que, em minha opinião, com o crescimento das cidades e término dos campos, prejudicou e mudou muito o futebol brasileiro e também desvirtuou muitos meninos para o caminho do mal. Meus irmão jogavam aos domingos verdadeiros clássicos do local atuando pelo Diamantina que, pelo histórico de treinos diários, era difícil ser batido.
Ali o coração do menino sentiu algo diferente pela primeira vez através dos olhos, na beleza de um sorriso de uma menina... Primeira paixão, primeiro bater mais forte do coração ao ver alguém.
Também o primeiro beijo, primeira namorada e o sabor inconfundível dessa fruta saborosa chamada mulher. O desejo... Minha virgindade, por assim dizer, aos dezesseis anos, já contada em outra postagem.
E teve o Botafogo de futebol e Regatas, levado pelo Cóti, um moço bom que gostava de ajudar e ensinar futebol e educação a meninos dos 12 aos 16 anos em seu projeto que hoje passou a ser chamado de escolinha e tem fins lucrativos. Ao contrário disso, "seu" Machado e Cóti não tiravam um centavo de ninguém e fazia por prazer, com prazer. Muito eu aprendi com eles e muitos meninos como eu. Ele não distinguia ninguém por ter mais ou menos condições.
Cóti, depois muitos anos, ainda ensinou a meus dois filhos em seu trabalho de garimpo. Aí, já ligado ao Vasco, levou o meu mais novo para "Federar", termo que usava-se para dizer que o menino passava a ser daquele clube.
Devo muito a este moço de quem não tenho notícias há anos...
Chegar até a casa de meu pai, contrariando muito a minha mãe, levar documentos oficiais do BOTAFOGO F.R. para ele assinar foi o primeiro passo para ter com ele o contato de pai e filho. Ele vivendo um sonho, orgulhoso e feliz, me acompanhava mesmo em treinos realizados em Del Castilho e depois ia trabalhar.
Naquele tempo, 1970, o Brasil tricampeão do mundo e primeira Copa transmitida ao vivo e a cores, ainda fazia sucesso as câmeras fotográficas Kodak, e delas as lembranças que meu pai pode registrar são as que tenho.
Eu fiquei no Botafogo dos 12 aos 16 anos que era o tempo do chamado dente-de-leite hoje categoria sub 15. O sr Manoel Vitorino ("seu" Néca) era famoso e cobrava essa fama com trabalho.
Não havia distinção entre as categorias de base que treinava e recebia cerca de 400 meninos novos para testes todo mês no campo em Del Castilho.
Era rígido e muito honesto. Cobrava unhas cortadas, cabelos acima da orelha com uma tesoura na mão as 7 horas da manhã da garotada em forma.
Duvido, por melhor que fosse, um jogador de chuteiras coloridas em seu time.
A caderneta escolar de presença no final de cada mês era por ele vistoriada e ai daquele que não estivesse cumprindo seus deveres.
"Seu" Néca, que Deus o tenha, era inspiração e idolatria de muitos meninos e rapazes do futebol brasileiro. Tenho dele muitas lembranças e um aprendizado sem igual. Cheguei aos 12 anos e fui tratado por ele com o mesmo respeito e carinho mas com seriedade. A mesma que nos fez conversarmos na beirada do campo em General Severiano, numa sexta-feira pela manhã e decidirmos que seria melhor parar ali. Não havia campeonatos para meninos entre 16 e 18 anos... Era um período de ostracismo em que a verdadeira peneira separa os que irão seguir a carreira dos que tentaram.
Eu poderia buscar outros clubes mas preferi parar e estudar. Seguir outros caminhos.
Se não poderia ser mais ali não seria em outro lugar.
Alguns colegas que chegaram ao profissionalismo: Tiquinho, Dodô, Luizinho Rangel, Ronaldo Torres.
Com o futebol no sangue e raízes no futebol de salão (hoje futsal) cheguei a seleção do antigo Estado do Rio de Janeiro para disputa do brasileiro da categoria juvenil em Niterói.
Disputei o campeonato niteroiense por um time de um estaleiro que ficava na avenida do Contorno, o Costeira, e depois, convidado pela federação por falta de representação de municípios, o campeonato do Estado do Rio no CAP de Caxias.
Infelizmente, nos treinamentos, quebrei um dedo do pé direito e fiquei de fora do brasileiro, vencido por Minas Gerais naquele ano.
Campeonatos escolares de futebol de salão e depois, seguindo tradição da família, o União de Silva Jardim, onde fomos campeões do torneio início na cidade vizinha de Araruama e disputamos o campeonato daquele ano. Na mesma época que quebrei o dedo na seleção do Estado do Rio, perdi os últimos jogos do campeonato mas não fizemos feio.
Joguei de quarto-zagueiro e era o líder do time. Fui convocado pelo sr. Amir, treinador do Rublo, para a seleção do campeonato mas não me informaram a tempo de comparecer em Araruama.
Aqui, no segundo quadro...
Além do futebol, minha vida de adolescente e secundarista foi simples mas com boas histórias a contar.
Houve um tempo que caprichávamos o visual com pantalonas costuradas pela mesma costureira sob encomenda e sapatos Souza comprados na loja que existe até hoje na Marechal Floriano, solado grosso, salto alto, enrrugado e invernizado, sob medida. Tudo isso era para frequentar as casas na vizinhança do bairro em Hi-Fi's com papel celofane na lâmpada e músicas de novelas tocadas nas portáteis Phillips, muitas vezes nas varandas. Tudo muito com respeito por ser a casa de família mas, era ali que a gente sentia o corpo de uma menina tremer junto do seu em alguns minutos colados e quase sem movimentos, que eram assim as danças naquele tempo.
Um dia, depois de matar muitas aulas e em companhia de colegas ir a pracinha da Trindade atrás das meninas e para jogar sinuca e boneco num bar da praça, vi que meus estudos estavam ruins e resolvi largar aquela vadiagem e recuperar o ano letivo. Como eu consegui e meus colegas não, fui criticado e descartado o que me deu caminhos diferentes e amizades diferentes. Afinal, próximo ano seria vestibular e eu nem sabia o que era. Só ouvia falar.
Esta foto eu ganhei da mãe do Altair, lateral esquerdo do Fluminense e da Seleção Brasileira. Meu avô vendia seus produtos de porta em porta e uma de suas freguesas era ela, que moravam no bairro próximo ao que nasci, Mutondo.
Meu avô contou que meu nome fora dado em homenagem ao Altair, filho famoso dela e ela retribuiu com essa foto que guardo com carinho desde pequeno.
ALTAIR significa, em árabe, ÁGUIA QUE VOA.
É também a maior estrela da constelação de ÁQUILA.
Paixões primeiras e inocentes
Quando o coração de um menino bate mais forte ao perceber a beleza feminina em uma garota que passa diante dele todos os dias, num mesmo horário, de uniforme escolar, cabelos compridos e sei lá mais o que fazia esse menino tremer, esconder-se entre as plantas do quintal e vê-la cada dia mais bonita... Esse menino criou coragem ao ver as rosas brancas plantadas por minha mãe e um dia esperou por ela e sem uma sequer palavra na garganta seca lhe ofereceu.
O nome era Lucineide e ela tinha pelo menos mais três anos que eu.
Depois, alguns anos mais tarde, aconteceu quase do mesmo jeito com Isabel Cristina. Aí o menino era adolescente e se sentia um sapinho feio diante de tanta beleza. Arrebatado o coração, ele não sabia o que fazer mas não conseguia fugir do domínio dela por sua paixão, seu ser.
Durou anos e só tive um beijinho, dado por iniciativa dela, que era muito segura e dominadora em seus atos.
Há poucos anos encontrei Mariléia. Temos a mesma idade e, agora, pude falar abertamente sobre todo tempo de paixão que ela despertava em muitos meninos de nosso tempo de adolescentes. Ela era musa, linda e inteligente. Sempre na última moda e de comportamento adulto para aquela época. pouco frequentava os Hi-fi's onde todos nós íamos e era admirada mais ainda por isso. Era um troféu para quem conseguisse e não me lembro de algum namorado naquele tempo.
Aos sessenta anos, sem filhos, mora sozinha apesar de ter um homem na sua vida.
"Até nisso combinamos", declarei. Afinal, cada um em seu canto, seu teto, é bem melhor para a relação.
Foi um prêmio de Deus ter tido essa oportunidade, mesmo que em poucos minutos, na rua em São Gonçalo quando ela desceu de um ônibus e eu passava.
Declarar-me e ser bem aceito com elogios que ela sempre mereceu, fez bem ao meu coração.
Também houve a Nádia em outra fase e que a vida faria com que nos encontrássemos mais tarde em um frenesi inesquecível e que mexeu demais comigo. Também já contei sua história em uma postagem.
São muitas coisas, detalhes, passagens... Creio que para não ficar parado no tempo, devo publicar esta parte e, se necessário, fazer um adendo a cada parte a medida que lembrar ou deparar com relevantes fatos da época.