Lá se foi mais uma semana... E que leve com ela as coisas ruins que passei relacionadas a minha saúde.
Nem por aqui tive vontade de estar. Aliás, estava querendo escrever alguma coisa relacionando vida e morte.
Algo assim de cair na real, dar de cara com a verdade, o saber que a morte é certa.
Deixa pra lá...
Cheguei agora há pouco e, apesar de muito trabalho esta noite e compromisso cedo, resolvi mesmo escrever ao invés de deitar e tirar um cochilo até às 9 horas como tenho feito.
E lembrei de meu primo. Dele havia falado há alguns dias atrás quando uma situação cotidiana me avivou a lembrança.
E falo assim porque, apesar de gostar, me afastei dele mais ou menos ao mesmo tempo que me afastei daquela moça.
Já lá se vão oito ou nove anos...
Ao lembrar dele e de suas coisas simples, do seu bom humor e da filosofia barata de vida que preconizava, por ser primo, me veio a figura do Altamirando.
Para quem não sabe, o Primo Altamirando foi personagem criado pelo Sérgio Porto que assinava Stanislaw Ponte Preta e que, confesso, li poucas coisas.
Anos de ditadura e ele ali, escrevendo suas coisas engraçadas e até picantes.
Quem não tem um primo gozado ou alguém na família que gosta de contar piadas, que leva a vida no bico, sem preocupações óbvias?
Esse primo, quando ainda éramos guris, lá por volta dos 9 - 10 anos, me ensinou coisas banais que serviram para muitas situações de vida e marcaram a minha memória.
Sabe aquela situação onde a gente diz ter nojo de alguma coisa na hora de comer?
Meu primo saía com essa: " Você come pão? Aquele quentinho que a gente compra todo dia?
A resposta era positiva, claro. E ele completava então: "Você não vê como é feito. O cara passa a mão na bunda, coça o saco e continua amassando a massa. O suor escorre, cai na massa e tome pão... Então porque ter nojo disso ou daquilo?"
Outra dele ainda sobre comida era quando se dizia que misturar algumas frutas como manga e abacaxi fazia mal... Ele dizia assim: " Você come salada de frutas? E não mistura tudo do mesmo jeito lá dentro..."
E ainda completava: " Faz mal é não comer."
Esse meu primo adora contar piadas e se especializou na arte.
Tinha Costinha como ídolo e procurava imitar o cara. Assim, por exemplo, começava uma piada, parava no meio e contava outra, retornado a primeira como o mestre fazia.
Certa feita, numa excursão de futebol, teríamos que dormir no ônibus estacionado num bairro residencial.
Carlinhos entrou no ônibus, que já tinha alguns mais cansados se ajeitando, contando piadas para um sujeito.
E era uma em cima da outra.
O ônibus foi enchendo e as piadas não paravam.
A hora foi passando e até quem já estava puto por não conseguir dormir com as risadas do pessoal se rendeu ao cara e sua sequência de piadas cada vez mais engraçadas.
Então a polícia pediu que moderássemos o barulho aquela hora da madrugada.
Acho que ele bateu seu próprio record aquela noite e deixou muita gente com dor na barriga de tanto rir.
Certa feita, jogando uma pelada com uns meninos que não o conheciam, confundia os adversários gritando quando eles tinham a posse da bola: _ " Cruza pelo alto bem rasteirinha."
É um pândego.
Onde ele chegasse teria novidades, piadas, brincadeiras. Muito divertido o cara.
E se divertia à vera as custas de outros. Uma queda, um esporro, um furo e ele se esvaía em risadas.
Andando pela rua, Centro de Niterói, escolhia bem as meninas que vinham na direção contrária a nossa pela calçada e, quando passávamos por elas, ouvia-se o som alto de um belo peido.
As meninas quase se mijavam de rir, eu ficava com cara de babaca e ele seguia andando normalmente, como se nada tivesse acontecido. Bem cínico.
Nunca gostou de estudar mas divertia-se muito com matemática. Era seu hobby.
Escrevo algumas passagens para ver se lembro mais de suas vãs filosofias...
Uma vez, deixou a família e entrou num ônibus para me acompanhar à Porto Alegre.
Em suas mãos trazia duas revistas de palavras cruzadas, jornal do Sports, etc... Vinte quatro horas de viagem sozinho.
O cara dormia com 10-15 minutos de rodagem.
Acordava nas paradas para comer e mijar.
Voltava para a viagem e pegava as cruzadas... Dormia outra vez com 10 minutos de tentativa.
Ao chegar a casa do mano, reclamei da companhia e daquele sono.
Não demorou para o cara dizer que iria para cama pois estava cansado da viagem.
Na volta, sentados bem atrás do motorista, eu apavorado com a velocidade, a rodovia, as ultrapassagens e a neblina... Ele falou:"_ É por isso que eu durmo. Se morrer não vou ver nada. Dorme um pouquinho aí também."
Saudosismo, orgulho e uma ponta de quem se sentiu traído se misturam agora e me fizeram afastar de meu primo.
Lembrar algumas coisas que vivemos juntos me fizeram rir agora como na ocasião que aconteceram. Queria lembrar mais.
A vida, suas gratidões, ingratidões, erros, tolices, bobagens... É tão curta para caber tanta coisa assim, sem muito nexo.
Sei que perdi nessa minha escolha movida a paixão.
Essa paixão me tirou tantas coisas que gostava... Mas isso é outra história.