Eu tinha uns dezesseis anos quando conheci Nádia.
De largo sorriso, cabelos compridos sempre presos deixando a testa livre e super simpática, extrovertida, a menina de 15 anos de pouco tempo, era algo diferente das que eu conhecia e convivia.
Apresentado pela Mariluci, colega de sala de meu irmão e vizinha da Nádia, a menina ouviu uma recomendação na minha frente que me assustou mais ainda: "olha lá o que vai aprontar..."
Nádia era bem "adiantada" em comportamento e maneira de ver a vida para aqueles anos 70.
Confesso que não me senti seguro diante de tanta beleza e tanta "liberdade" e não sabia bem como me comportar.
Coisas de garoto que ainda não havia tido contato com alguém mais nova, menina e avançada no campo de "namorar".
É claro que aqueles ainda eram anos 70, que haviam dificudades, que também os "avanços" ainda ficavam no arrochinho quando se conseguia lugar "seguro" para isso.
Nádia me deixava cada dia mais "apaixonado" e inseguro por seu comportamento moderno para sua idade.
Meu namoro era esperar por ela que vinha do colégio no fim da tarde, passava pela minha casa e acompanhá-la até perto da sua. Ali rolava uns beijinhos e só. "Até amanhã..."
Depois de algum tempo, como havia de ser, acabou.
Mas ela sempre que tinha oportunidade chegava como se tudo normal e nós fossemos namorados eternos.
A vida seguiu.
Eu já morava em Niterói e estava noivo, casamento marcado.
Nádia apareceu em minha porta do nada, sem que soubesse como.
O porque eu viria a entender mais tarde.
Ela estava linda como sempre ou mais com aquele vestido curto que era moda da época e também estava meio que nervosa, precisando de alguém que ajudasse em alguma coisa que não quis me contar.
Pedia que eu "voltasse" a namorar com ela, queria que eu ficasse com ela, dizia que eu era mais que ela imaginava... Não podia fazer nada a aquela altura dos acontecimentos.
Confesso que me assustei com a sua presença e pelo certo mistério além de seu pedido.
Mas também não haveria como voltar atrás em uma decisão tão séria como um casamento para poder ajudá-la, como ela queria que eu fizesse, além de não poder confiar em uma menina "tão avançada" que já "ficava" quando isso ainda nem se sonhava como vemos agora por aí.
Lembro bem que a fiz entrar num ônibus depois que parou de chorar (isso também foi assustador) porque não quis atender seus pedidos.
E não posso deixar de dizer que marcou aquele momento para mim. Nunca imaginaria que fosse ver aquela menina segura, moderna, risonha e bela "precisando" e chorando por mim.
Tempos depois, já casado e papai de pouco tempo, índo procurar um médico por causa de minha sinusite em pleno feriado de sol quente, passei por um rosto conhecido à beira da rua no bairro que morava.
A reação foi imediata quando o cérebro febril recebeu a imagem e a reconheceu: freada brusca e marcha à ré na velha Brasília branca ano 1973.
Aqueles cabelos compridos soltos e quase na cintura, a parte de baixo do corpo limdo enrolado em uma canga de praia e o sorriso ao ver quem parou por ela. Nádia estava linda como nunca.
De novo, a situação não me ajudava. Ela ia à praia e eu ao médico.
Só de ficar com uma linda mulher em meu carro já era inusitado para mim.
Mas eu tinha que fazer alguma coisa e acabei a levando e deixando na praia, em Niterói.
Conversamos um pouco nesse trajeto e trocamos números de telefones.
Alguns dias depois ouvi seu relato daqueles anos sem nos ver e entendi a causa de seu desespero da última vez qua a vi.
Por causa de seu pai ela saiu de casa com um namorado extraviado por aí e de carona foram para na Bahia.
Dormiam em casas por construir, viviam sabe-se lá como e só tinham a mochila e algumas peças de roupas.
Nesse tempo, nasceu uma menina que ela perdeu com alguns meses de vida e que era sua maior dor.
Nesse momento estava morando na casa de uma amiga de favor e estagiava na prefeitura do Rio. Para ir ao trabalho pegava "carona" nos ônibus e a maioria das vezes, em casa, comia feijão e um ovo que ainda era divido com a amiga e mãe dela.
Sorria de tudo e por tudo menos quando falava da menina que perdeu.
Me recriminou ao saber de mim o que fazia por minha família, de tudo que tinha e dava para eles. Disse-me "que eu estava acostumando mal a minha esposa".
Estávamos na cama de um motel e depois de conversarmos muito, fizemos amor como dois meninos de 15 anos.
Lembro que ela estava com fome e que paguei um lanche depois de saber quanto iria pagar pela minha conta e por meu dinheiro contado, emprestado por um amigo.
Já eram anos 80, ela estava mais linda que nunca, mesmo pasndo por tudo que passara e passava.
Em meu trabalho, brigávamos por melhores condições de salário depois de havermos sobrevivido a explosão e reconstruído a fábrica que trabalhávamos. Eu pensava em poder ajudá-la se tivesse um dinheirinho a mais.
Em meio a uma dessas reuniões nervosas com a chefia, precisei atender a um telefonema e fui "grosseiro" pedindo que ligasse depois... Era a última vez que ouviria a voz de Nádia.
Dia seguinte, ao ligar para ela, fiquei sabendo que acabara seu estágio, que mudaram os chefes políticos na prefeitura, consequências das eleições.
Levei muito tempo procurando por ela dentro de minhas possibilidades.
Fui muitas vezes ao bairro que morou, procurando por Mariluci para que me ajudasse.
Sofri muito por perder a chance de ajudar alguém que gostava.
Me senti o pior dos caras por tudo aquilo.
Alguns anos depois, num supermercado, a vi de novo.
Grávida, não sabia como evitar meu olhar que a perseguia e meu coração que disparado não conseguia deixar de fazer aquilo. Ela foi embora junto com alguém. Nem fez compras.
Mais alguns anos e a encontrei numa pizzaria.
O garotinho já devia ter uns 2 aninhos e seu marido me pareceu bem mais velho que ela.
Nos olhamos em silêncio por uns segundos e ficamos num "boa noite" por causa do olhar intrigado de seu marido, creio.
Eu não conseguia esconder meu nervosismo, minha alegria ou a mistura dos dois que não me deixavam nem mesmo engolir um pouco de água.
Em todos esses anos, sonho um dia encontrar com Nádia e poder pedir a aquela menina "avançada" um abraço apertado.
Acho que poderíamos contar tudo um ao outro dessa vida juntando os corações por ulguns instantes.