Ela cuidava de mim quando estava em crise com amidalite e reclamava muito, brigando ao mesmo tempo que estava preocupada. Separada de meu pai, vivia um tempo diferente para a época e minhas crises eram frequentes, com febre alta e garganta quase fechando.
Eu tenho poucas lembranças. As que mais gosto era de quando a pegava deitada e lhe fazia carinho vendo-a sorrir e retribuir. Muitas vezes a vi chorar. Muitas vezes a vi discutindo com meu pai.
Muitas vezes a vi levantar muito cedo para ir trabalhar e voltar por volta de 13h, sempre elegante e vaidosamente vestida, cabelos arrumados e muita pose, escondendo o cansaço da rotina num colégio público estadual longe de casa, onde era auxiliar de limpeza.
Cigarro no dedo, companheiro de longas datas, que ela não deixava nem para fazer as coisas de casa.
Ela era única. Tomava conta da casa, de filhos, de amigos e trabalho. Recorríamos sempre a figura decisiva e forte que ela era.
Eu queria tanto poder contar quem foi minha mãe, sua história... Mas, como minhas memórias sobre mim, são tantas coisas que confundem minha mente e raciocínio.
As broncas e beliscões todas as vezes que não podia pegar um chinelo. Quem não levou aquele beliscões com as palavras seguintes dizendo que "depois a gente conversa" sempre disfarçados num sorriso e paralisado pelo susto?
E quem te ensinou a ceder lugar no ônibus, puxar a cadeira para uma mulher sentar, abrir a porta do carro gentilmente, respeitar os mais velhos e cumprimentar a todos aqueles que cruzassem na rua? Bom dia, boa tarde e boa noite!!! Muito obrigado! Me desculpe! Sim senhor, sim senhora... Mamãe só tinha a segunda série primária daquele tempo que precisava andar quilômetros de ida e de volta até o mais próximo colégio, fugindo de boiadas soltas pelo caminho.
Maria da Silva Lopes nasceu em Silva Jardim, na localidade que conheço como Boqueirão e era a segunda filha de Alice Pinto e Claudionor Lopes. Ajudava a seu pai no cafezal cultivado na encosta de um morro desde pequena e "descia rolando quando a febre do impaludismo atacava repentinamente". Contava porque havia vencido aquela doença e não por orgulho dos dias que vivia.
Casou-se "em lombo de burro" na cidade de São Vicente de Paulo e foi morar numa casinha da Fazenda Cambucás onde não haviam móveis além de caixotes que serviam de mesa e cadeira e que ela dizia "nem imaginar o que era sexo".
Ah minha mãe!!! Quanta história? Tanta saudade!!!!
Ela sempre quis abraçar o mundo e não tinha nada porque se tivesse que ajudar alguém não media esforços. Eu a vi comer puro para dar dois bifes a meu irmão que reclamava por só ter um para ele comer... Mamãe perdoava. Perdoou a todos nós.
Já sofrendo com a doença que a consumiu por anos, esvaziamos umas caixas que ela guardava juntos. Ela achou uma foto sua com dezessete anos, ela disse. Era um retratinho 3 x 4 mas que revelava sua beleza e, sem hesitar, ela me contou que gostava muito daquela fotografia... Chorava por sua vaidade perdida na paralisia causada pelo AVC.
Posso ter lembranças e outras fotografias mas essa sempre será a marca e a presença de minha mãe.
Sei que ela gostaria muito de ser lembrada como está ali, naquele click.
O efeito negativo eu fiz há muitos anos e escrevi "Simplesmente Maria"... Era simples, forte, corajosa, vaidosa, decidida e tantos outros adjetivos.
Era minha mãe... E como era bonita!!!
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